Cancelamento pode causar sofrimento, angústia e traumas nos indivíduos que são alvos de boicote social.
Em janeiro de 2021, uma emissora de TV do país lançou mais uma edição de um reality show acompanhado anualmente por uma parcela significativa da população do país. O programa, que costuma alcançar recordes de audiência, é sempre um dos assuntos mais comentados nas redes sociais, inclusive por celebridades. Um dos motivos para tanto engajamento é que a edição atual passou a abordar o tema do cancelamento, uma prática bem comum na era dos contatos virtuais.
O assunto veio à tona devido ao modo como participantes foram excluídos por outros e pela reação do público, que passou a cancelar os canceladores. Mas, afinal, o que é a cultura do cancelamento e por que as pessoas, especialmente os digital influencers, têm tanto receio dessa prática?
O ato de boicotar o trabalho de alguém ou até mesmo suas relações pessoais não é algo novo, especialmente na era das redes sociais, onde os usuários se sentem livres para expressar o descontentamento com qualquer pessoa ou situação. O cancelamento pode atingir qualquer indivíduo que apresente atitudes que possam ser consideradas pelos internautas repreensíveis, isso inclui figuras políticas, famosos e até mesmo religiosos.
Para o docente do curso de Psicologia e coordenador das pós-graduações da Unileão nessa área, prof. Júnior Linhares, a cultura do cancelamento está relacionada com a forma com que as redes sociais transformaram as relações e passaram a se inserir cada vez mais no cotidiano das pessoas.
“Nas redes sociais, se eu não quero me relacionar com alguém posso simplesmente excluir essa pessoa, bloqueá-la. Ocorre uma tentativa de silenciamento e apagamento daquele sujeito que passa a incomodar em determinado momento. É importante a gente entender que a ideia de cancelar o outro produz nesse sujeito que é cancelado um silenciamento, uma invisibilidade, um apagamento forçado e isso acaba não ficando restrito ao ambiente virtual, também é reproduzido nas relações na vida real e acarreta, nesses sujeitos, vários processos de sofrimento, angústia, traumas e temores que possam ser associados a esse tipo de relação”, avalia o docente.
O cancelamento pode vir também como uma reposta que parte de populações que foram historicamente invisibilizadas, como a população negra e a população LGBTQI. De acordo com o professor, essas situações podem ocorrer quando, por exemplo, alguém faz um pronunciamento contrário ao que se afirma como uma bandeira de luta para essas populações, o que pode gerar um movimento de cancelamento desse sujeito por parte desses grupos minoritários.
Os motivos por trás das atitudes de cancelamento devem ser analisados de indivíduo para indivíduo, muitas vezes partindo da vontade de se aplicar uma pena social no outro, se fazendo, assim, “justiça”. Essa posição de julgador, entretanto, deve ser vista com muita cautela.
“Esses indivíduos se colocam na posição de detentores da verdade de um conhecimento único e inquestionável. Ocupar essa posição de poder sobre o outro, poder silenciar este outro, é uma posição que devemos refletir muito, porque isso tem impactos inclusive sobre as próprias relações. As generalizações devem ser observadas com muito cuidado, os motivos pelos quais levam as pessoas às suas lutas sociais, aos seus empoderamentos, ao mesmo tempo que devemos perceber que há sempre um meio termo, um diálogo. Tudo aquilo que impõe uma posição para alguém deve ser refletido”, frisa o prof. Júnior Linhares.
Compromisso com os processos de transformações sociais e promoção da qualidade de vida.